Ayurveda - Erick Schulz

Nos dias atuais, os mais antigos livros sagrados Hindus, estão se tornando algo do interesse internacional, esses livros durante cinco mil anos, formaram a base de cura diferente de qualquer outro. Seus criadores o chamam de ciência da vida ou Ayurveda. Mas, recentemente, o Ayurveda vem ganhando espaço como filosofia, estilo de vida, e sistema de cura além das fronteiras Hindus. Médicos e terapeutas ocidentais, buscam no oriente maneiras “alternativas” ou complementares de se tratar a saúde. Essa busca leva a manuscritos contendo ensinamentos milenares na India. Buscando desta maneira acrescentar uma forma singular de manutenção da saúde. Os cientistas estão agora examinando mais atentamente esta tradição, tentando entender melhor como o Ayurveda funciona, e que promessas podem trazer para o futuro.

Do outro lado do mundo, na Índia contemporânea, a maneira de aplicar o Ayurveda continua da mesma maneira, como há milhares de anos. O costume local de vários Vaidyas (Médico Ayurveda) se divide em, acordar todos os dias a partir as 04hs da manhã, e se debruçar sobre os textos em Sânscrito (os vedas, forma original de onde surgiram os demais tratados), tentando decifrar a complexidade dos seus versos. O trabalho da vida de um Vaidya um dia se completa, ele produzirá um manuscrito abordando os princípios do Ayurveda, para poder compartilhar com seu povo esses preciosos conhecimentos da ciencia indiana da cura, enquanto outros Vaidya se ocupam atendendo a grande população, por meio de consultas e aplicando tratamentos em hospitais e clínicas particulares. O Ayurveda nas mãos desses especialistas parecem simples mais não é. As raízes do Ayurveda apontam para uma ciência profunda que transpõe os séculos.

O indivíduo em sua forma integral
Nas famílias Hindus, um mês após o nascimento de uma criança é realizada uma cerimónia simples, na qual o pai senta o recém nascido em seu colo e sussurra o nome da criança em seu ouvido. Mas nesta altura o bebé já tem seu Dosha ou código energético original marcado como se fosse uma impressão genética personalizada.

Os cinco elementos básicos, que são éter, o ar, o fogo, a água e a terra, manifestam-se no corpo humano segundo três princípios básicos, denominados como Vata, Pitta e Kapha, os Doshas.

O Dosha Vata manifesta-se a partir dos elementos Éter e Ar; Já o Pitta manifesta-se principalmente pelo elemento fogo e o Kapha, pelos elementos terra e água.

Todos os seres humanos têm consigo os três Doshas, que definem sua constituição física. Quando estes estão em harmonia, o organismo está saudável, da mesma forma quando desarmonizados, o corpo fica doente.

Superficialmente pode parecer estranho e, até mesmo incompreensível, uma forma de busca de saúde que não envolva radiografias, medicamento e nem cirurgias possa ser eficaz no combate as doenças. Mas a base do Ayurveda é muito diferente da medicina moderna. Assim como a medicina ocidental que usa a radiografia e tomografias para analisar a fisiologia de uma pessoa, o Ayurveda tem suas próprias ferramentas de diagnostico.

No Ayurveda os olhos a língua, os lábios e as unhas do paciente, são indicadores nítidos de saúde. A leitura do pulso ou Nadi, em particular, é considerada uma das principais ferramentas de diagnótico do Vaidya. Afirma-se, inclusive que, médicos excecionais, conseguem definir o tempo de vida através do pulso. Mas por trás dessa declaração há a ciência do Ayuveda. O pulso é literalmente a linha da vida do corpo de uma pessoa. É uma raiz que permite ao especialista analisar o estado de saúde dela. A medicina moderna pode perceber algumas coisas pelo ritmo cardíaco, mas o sistema ayuvédico revela-se e consegue mostrar se os órgãos vitais estão trabalhando corretamente. Na medicina Ayurveda o pulso pode ser classificado em 108 variedades diferentes. As mais comuns são a cobra, que descreve um pulso rápido, o sapo, um pulso errático, e o cisne caracterizado por um pulso lento e constante. Cada informação contribui para dar ao médico uma imagem completa da saúde pessoa. Embora pareça estranho que tanta informação seja colhida por meio apenas do pulso da pessoa, os primeiros médicos ayurvédicos conseguiam decifrar o corpo humano de um modo intrincado, com base em cuidadosas observações.

Sem a ajuda dos raios-x, microscópios e outras ferramentas que não os próprios sentidos, parecem que os antigos e atuais especialistas ayurvédicos dominaram a habilidade de entender e diagnosticar o corpo humano, através da observação de suas ações e reações a vários elementos da natureza humana. Uma realização notável para um povo que não tinha meios de examinar diretamente a estrutura celular e que até hoje deixa os cientistas desconcertados.

Por meio de um diagnostico profundo realizado por um Vaidya é identificado o Dosha original conhecido como Pakriti e se existe alguma desarmonia no organismo, denominado Vikriti. A partir desses dados o Vaidya monta um programa de tratamento que poderá envolver desde uma simples reestrutura no dia a dia, com a alimentação, horário de realização das atividades, chás ou incluir no programa os Pancha Karmas.

Pancha Karma abrange varias terapias de purificação e seu objetivo é eliminar as toxinas e dar ao corpo o poder de se curar sozinho. A forma de preparação deste tratamento profundo é quase ilimitada podendo ser realizada em uma forma de oleação externa incluindo massagens e banhos de óleos, prática de sudorese onde leva o corpo a eliminar toxinas através do suor como também através de uma alimentação regrada e a utilização de ervas. Em Sânscrito Pancha Karma significa as cinco terapias de purificação. Normalmente sendo realizado em locais especializados e por pessoas com larga experiência, o tratamento consistem desde lavagens, purgação e gotas nasais. O Pancha Karma trabalha de forma abrangente em longo prazo, refletindo a natureza gradual da cura ayurvédica.

Ayurveda através da história
As curas ayurvedicos são comuns nas vilas onde o acesso a outros tratamentos médicos ainda é restrito, a habilidade do Vaidya pode quase sempre fazer a diferença entre a vida ou a morte. A preservação entre o passado e o presente se faz viva e muito comum entre os estudiosos e especialistas em Ayurveda, a leitura diária dos versos do Charak Samhita, um dos mais antigos textos ayurvédicos, datado em aproximadamente 800A.C., e contém palavras anteriores ao juramento de Hipócrates.

“...dia e noite com todo o teu coração e tua alma,
te empenharás para aliviar o sofrimento dos pacientes ...”
(passagem do Charak Samhita)

Todos os praticantes do Ayurveda devem se recordar sempre dessas preciosas palavras escritas em forma de hino que refletem as bases dessa milenar medicina.

As lendas contam que o Ayurveda apareceu quando os Rishis ou Homens Santos, foram aos Bosques Sagrados de Badari Vana, pedir aos elevados Seres um meio de curar as doenças humanas, eles escreveram quatro livros, chamados os Vedas que contem os textos originais do Ayurveda. O Ayurveda foi visto como um conhecimento vindo dos deuses e os primeiros tratamentos eram baseados em encantamentos e rituais, mesmo séculos atrás os Vedas já aviam classificados detalhadamente as doenças mais comuns, encontrando utilidades em milhares de ervas para tratamentos, hoje em dia a ciência ocidental esta apenas começando a encontrar meios de incorporar o notável conhecimento Ayurveda aos termos médicos modernos.

Escritos em Sânscrito, os textos ayurvédicos do Charaka vão desde a psicologia até a medicina interna, outros textos subsequentes como o Sushrut Samhita mostram que os médicos indianos foram os primeiros a fazer cirurgias plásticas, e que também introduziram mais de cem instrumentos cirúrgicos, não muito diferentes dos que são utilizados hoje em dia. Além de ilustrar os vários métodos de curar os feridos em batalhas, o texto Sushrut descreve operações de hérnias, de cataratas e de tumores no cérebro, revelando uma ciência bem a frente de seu tempo. Mesmo assim a Medicina Ayurvédica deixou de avançar em suas técnicas cirúrgicas, provavelmente por causa da influência do Budismo no século terceiro antes de cristo, alguns dizem que a filosofia budista da compaixão pode ter impedido os médicos de fazerem novas experiências.

Em tempos remotos não existia tecnologia e formas de estudos que nos dias atuais são acrescentados ao Ayurveda. Embora medicamentos ocidentais dificilmente são utilizados no Ayurveda, hoje os médicos ayurvédicos incorporam normalmente as informações de radiografias, tomografias e exames laboratoriais para obter um quadro mais amplo do paciente.

A medicina Ayurvédica trabalha com princípios que não se encontram na medicina moderna, a ideia da utilização do Shirodhara (técnica muito conhecida, onde um fio de óleo fica vertendo sobre a testa da pessoa) para acalmar a mente e forçar o corpo a dar reação hormonal contra o stress, são formas de tratamentos que não encontramos nas terapias modernas.

A utilização e a pesquisa das ervas no Ayurveda são muito grandes, estudos sobre o tema são encontrados desde as primeiras literaturas de Ayurveda até os dias atuais. O respeito e a harmonia com a natureza e a sabedoria da eficácia de determinadas ervas, levaram os especialistas em Ayurveda a nomeá-las com nomes de deuses. O respeito engloba horários específicos para as colheitas, estações de plantio, da colheita e clima para não afetar o potencial de uma planta, esta é uma observação muito em especial. Embora os cientistas já consigam identificar as plantas medicinais do léxico Ayurveda, eles ainda não conseguiram isolar completamente os princípios ativos que dão as plantas suas propriedades, um único medicamento ayurvédico normalmente consiste em mais de uma planta e é utilizada a sua casca ou raiz ou caule.

Diferentemente das massagens ocidentais nas quais os benefícios são vistos principalmente como terapêuticos, a ciência do Ayurveda tem uma visão mais ampla de seus benefícios, embora as ações possam ser as mesmas, as massagens feitas em cada terapia usam ervas e óleos variados a fim de alcançar resultados diferentes.

A marca da ciência do Ayurveda é a ênfase no estilo de vida da pessoa. A rotina diária do ser humano descrita nos livros sagrados como Dinacharya, é de grande importância e apontada como principal fonte de longevidade. Parece óbvio, mais os textos ayurvédicos transformam isso em arte, ensinando desde a maneira como a pessoa respira, à posição em que dorme, bem como o horário das refeições que podem afetar o seu bem-estar.

Índia contemporânea e o Ayurveda
Localizado no sul da India, o estado Kerala é um terra de contrastes, o legado de uma historia mista formada pela colonização colonial e a flexibilidade cultural. Kerala é frequentemente chamado de berço do Ayurveda, afirmação esta contestada por muitos especialistas, embora lá o Ayurveda seja praticado na forma mais próxima do original.

A capital do estado, Trivandrum originalmente conhecida como Thiruvananthapuram, teve seu nome abreviado, pois os colonizadores não conseguiam pronunciá-lo. Sob a influencia da colonização Inglesa, nesta região foram incluídas formas medicinais ocidentais e chegaram a proibir o uso do Ayurveda, somente após a independência da India que o Ayurveda voltou e retomou gradualmente o seu lugar como sistema médico de saúde.

Em varias regiões da India o método mais tradicional de se transmitir o Ayurveda ainda se mantêm. É o método Guru Kala, responsável pela manutenção de transmissão de ensinamentos. Guru Kala é a forma de mestre discípulo, onde o aluno recebe os ensinamentos diariamente, para um dia se tornar um Guru e assim poder passar para o próximo. E graças a este método que o Ayurveda se mantém vivo até os dias atuais, hoje o caminho para se tornar um médico ayurvédico na India também é bastante semelhante à de um médico Ocidental, com exames, aulas teóricas e monografias.

A infinidade de tratamentos e o imenso tesouro de medicamentos que o Ayurveda proporciona é o que mais chama atenção do Ocidente. Spas ayurvédicos e refúgios turísticos se espalham pelas praias na costa do Estado de Kerala, atraindo visitantes que ouviram falar de suas características rejuvenescedoras.

No Ayurveda a alimentação é ponto principal de todo um tratamento, com este enfoque intenso dado a alimentação os especialistas em Ayurveda foram os primeiros nutricionistas no mundo. Tipos de comida como, por exemplo, carbohidratos, proteínas e amidos foram identificados em Sânscrito pelos especialistas que estudaram os seus efeitos no corpo humano. Dividindo os alimentos pelos seus gostos e qualidades, eles descobriram que as diversas qualidades chamadas Rasas, produziam efeitos diferentes nas pessoas e poderiam se ligadas aos Doshas por meio de suas ações.

Instituições como a Universidade do Sul da Califórnia, começaram a explorar o uso do Ayurveda no tratamento da hepatite e câncer de próstata. Na Índia receitas Ayurvédicas estão sendo usadas para ajudar os pacientes de AIDS a amenizar os efeitos de outros medicamentos, os resultados são animadores, e será somente uma questão de tempo para que o Ayurveda seja mais aceito no paradigma ocidental.

Independente de quem plante a semente e as ervas, o Ayurveda continuará a crescer, pois elas existem em qualquer lugar, dentro da natureza e em qualquer parte do mundo. Podemos classificar o Ayurveda como a forma escrita de saúde mais antiga que temos noticia, mais não podemos classificar como a ciência médica mais antiga do mundo. Eles, os Indianos, sim evoluíram mais rapidamente que outros povos, podendo assim escrever a sua forma nativa de saúde por meio de livros dando origem ao Ayurveda, enquanto outras civilizações com medicinas “semelhantes” não tiveram este privilégio.

Embora pareça inacreditável que tal ciência já existisse séculos antes de qualquer medicina, a maior preocupação hoje é a preservação deste conhecimento e a busca para aperfeiçoá-lo.

Por Erick Schulz, especialista em Ayurveda (www.naradeva.com.br).

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